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Política e Economia

Quem no mundo já venceu a corrupção?

Hoje, perplexa e revoltada, a maioria da sociedade brasileira se pergunta: será que é possível vencer a corrupção?


Hoje, perplexa e revoltada, a maioria da sociedade brasileira se pergunta: será que é possível vencer a corrupção? É possível, há casos de países que eram corruptos do vestíbulo ao topo do governo, tinham burocracia pública, polícia, política e judiciário corrompidos até a medula, e se livraram da corrupção em poucos anos. Olhar para esses exemplos talvez traga algum alento. Basta comparar os relatórios do índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional, que se vê vários países subindo os íngremes degraus rumo à integridade pública, a legitimidade política e a justiça na ação do estado.

Alguns desses países já estão no topo da lista dos 20 percebidos como menos corruptos desde 1995, quando ela começou. É o caso de Cingapura e Hong Kong. Outros, como Estonia e Botswana, vêm subindo e se aproximando desse G20 das virtudes públicas. Eles já estão na fronteira mais próxima, no perímetro desse grupo, Estonia em 23o e Botswana, em 28o. Nem se pode dizer que só países desenvolvidos podem chegar ao topo. É verdade, que o G20 dos mais honestos é hoje dominado por eles. Mas há países, bem menos desenvolvidos, chegando lá: o 20o, descontando-se todos os empates, em 2015, era o Japão, com 75 pontos. O 21o, era o Uruguai, com 74 pontos, e o 23o, empatado com a França e a Estônia, em 70 pontos, o Chile. Botswana, com 63 pontos, divide com Portugal o 28o. A Georgia, estava em 67o lugar, em 2008 e, em 2015 já havia subido para 48o. O que se pode fazer para eliminar a corrupção, como Hong Kong e Cingapura, ou reduzi-la expressivamente, como Botswana e Georgia?

O caso-modelo, que aparece em todos os cursos sobre combate à corrupção no mundo, é o de Hong Kong. Com razão. Até o início dos anos 1970, Hong Kong era marcado pela corrupção sistêmica. Ia do conluio entre empresas, o sistema político e o estado, até as pequenas propinas para fazer a burocracia funcionar, livrar-se de uma multa corriqueira, conseguir uma pequena vantagem. No setor público em geral, e no sistema policial e judiciário em particular, a corrupção era controlada por organizações criminosas. Era crime organizado. Quando a sociedade chegou no ponto de virada, onde a conivência e a tolerância se esgotam, por causa das injustiças acumuladas e da escalada do custo na vida cotidiana, criou-se uma comissão independente para combatê-la. Em cinco anos, a macrocorrupção, política e privada, organizada criminosamente, foi erradicada. É, provavelmente, o caso mais bem sucedido de vitória sobre a corrupção. Não existe corrupção zero. Mas existe a possibilidade de reduzi-la a um grau bastante reduzido de casos isolados. A microcorrupção também foi significativamente reduzida, tornando mínimo o risco de empresas e cidadãos serem forçados a pagar propina para obter algo do serviço público e do setor estatal. O sistema eleitoral foi parte da limpeza, na preparação para a transição que se esperava fosse do domínio britânico para uma democracia. Hoje Hong Kong só é vulnerável às más práticas chinesas.

Como se conseguiu avançar tanto em tão pouco tempo? Eu resumiria em cinco palavras: independência, rigor, transparência, justiça e legitimidade. Independência das instituições que investigam os crimes, processam e punem os criminosos. Rigor nas investigações, nos procedimentos processuais e nas punições. Esse rigor, evidentemente, se expressa, também, na presteza dos procedimentos, reduzindo fortemente o tempo entre investigação e execução das penas, observado o direito de defesa, mas com limites ditados pela temperança e pela medida do que é razoável e legítimo. Transparência com a quebra de sigilo, tão logo a publicidade dos fatos já não prejudique a investigação, plena liberdade de acesso à informação e de imprensa. Justiça, conduta apropriada e igualitária. As regras e as leis, o rigor e a transparência passaram a valer universalmente para todos, sem privilégio de tratamento, sem discriminação. Legitimidade porque, o próprio desempenho do sistema e sua rigorosa igualdade de tratamento e transparência, nascem da vontade da sociedade e expandem o apoio dos cidadãos ao combate à corrupção. Dessa forma, além de estritamente legal, esse processo é amplamente legítimo. Foi isso que mudou a atitude da sociedade de Hong Kong em relação à corrupção.

Houve várias inovações, hoje adotadas em numerosos outros países. Um dos componentes importantes, por exemplo, foi a total proteção das testemunhas e a rígida manutenção do anonimato das denúncias de corrupção. A tal ponto que, hoje, mais de 70% dos casos que são investigados decorrem desse tipo de denúncia. Para que isto acontecesse, foi preciso que nenhuma denúncia e nenhum testemunho ficassem sem investigação. A estratégia também prevê ações de prevenção e educação. Mas elas são inúteis, se os corruptos ainda têm poder ou imunidade. Novos valores dependem de que os mais ricos e os mais poderosos, os que estão no topo da hierarquia das empresas e dos governos e que se envolvem nessas práticas, sejam severamente punidos. Ser rico e poderoso é um agravante, quanto mais alto o cargo, maior a gravidade dos atos de corrupção. O maior fator pedagógico e o caso exemplar de sucesso na investigação, no processo e na punição de grandes empresas, políticos e funcionários poderosos envolvidos na corrupção em larga escala.

Um elemento importante, tanto em Hong Kong, quanto em Cingapura, foi a proibição de políticos e funcionários receberem presentes. O fato de receber uma propina ou um presente, para beneficiar, em troca o corruptor, não deixa de ser crime, mesmo que não haja essa contrapartida. Nem é necessário prova de que ela existiu, basta ter prova da propina ou de presentes injustificados. Ser agente público, ocupar cargos de governança requerem comportamento exemplar. E o mau comportamento, pena exemplar. Não é fácil, o sistema resiste e é poderoso: tem recursos políticos potentes, acesso aos melhores advogados, capacidade de pressão e intimidação. Por isso mesmo, todo o procedimento tem que ser rigorosamente profissional e o mais possível blindado das influências e pressões políticas. Além disso, a pressão do apoio popular e da opinião pública tem que se manter em nível elevado. Em Hong Kong, o agrupamento institucional que combate a corrupção conta com profissionais bem treinados em todas as áreas, policial, forense, sobretudo em finanças e em informática (TI – tecnologia da informação), vigilância, para gravação de conversas telefônicas e peritos em computação forense, que investigam comunicações e arquivos em via eletrônica. Há uma unidade dedicada à proteção de testemunhas. A promotoria também é especializada e seus casos são julgados por juízes especializados, que se dedicam em tempo integral a esses processos. A transparência e o registro das investigações é profissional e usa toda a tecnologia disponível. Hong Kong foi o primeiro caso de gravação em vídeo dos interrogatórios e depoimentos.

Quais foram os fatores apontados por todos os analistas, para o sucesso desse tipo novo de combate à corrupção? A autonomia para investigar e processar da polícia e do ministério público; a autoridade para processar e acusar; julgamento por uma corte especializada em corrupção, com juízes em tempo integral, recrutados especialmente para a tarefa. Outro fator crucial é o escopo da jurisdição. Os casos de sucesso adotaram uma estratégia proativa, podendo iniciar investigações a partir de ações de inteligência, como em Hong Kong e Cingapura, com poder de investigar um amplo leque de crimes de corrupção. Essa estratégia tem que observar o princípio da tolerância zero: nenhuma evidência de corrupção, por menor que seja, pode deixar de ser investigada. Todo o processo de revisão por recursos, deve ser transparente, blindado de pressão política e ter plena publicidade nos meios de informação, para demonstrar a efetividade do combate à corrupção e dissuadir a continuidade dessas práticas. A leniência com qualquer rico ou poderoso destrói a confiança no processo.

Entre os poderes de investigação no elenco dos casos de sucesso estão, também, a quebra do sigilo bancário, o confisco de valores ou propriedades, o recurso mais frequente às prisões preventivas, interceptação de telecomunicações e, inclusive, operações encobertas (undercover). Nesses países que venceram a corrupção, o judiciário deu ampla cobertura às investigações. Em Hong Kong, o índice de condenação foi superior a 80%.

Cingapura também tinha setor público e sistema policial totalmente corruptos. Um amplo programa de reformas, legislação mais dura e abrangente para crimes de corrupção, com penas severas e uma organização anticorrupção ativa, independente e efetiva permitiram eliminar a corrupção e transformar Cingapura em um centro de atração de investimentos. A nova legislação acabou com o “foro privilegiado” e cuidou da presteza do processo. Lá, o ministério público fala em processo “rápido e seguro”. O Judiciário assegurou punição efetiva e a lei determinou penas severas. Todo o processo ganhou transparência. As multas são pesadas, todos os contratos envolvidos no esquema de corrupção são anulados; os empreiteiros e fornecedores são proibidos de contratar com qualquer governo por, pelo menos, cinco anos. Essa ideia de uma quarentena é muito interessante e não pode ser reduzida por acordos extrajudiciais.

Não há um só caso de sucesso no combate à corrupção, no qual a regra de ampla publicidade das etapas de investigação e processo não tenha sido observada. A transparência e o fim do sigilo a acobertar os poderosos que tentam se esconder sob o manto da privacidade ou do segredo de estado é, com certeza, uma condição absolutamente necessária ao sucesso das ações de combate à corrupção. Foi assim em Hong Kong, Cingapura, na Georgia, em Botswana e na Estonia, apenas para mencionar alguns casos de sucesso mais que razoável.

Por que há tanto apoio popular à ofensiva contra a corrupção, como estamos vendo, hoje, no Brasil? Porque a corrupção produz injustiça e arrogância, ela tiraniza quem não se torna conivente, ela aumenta a desigualdade e drena recursos essenciais, que poderiam ser usados em benefício da sociedade, para beneficiar partidos, políticos, autoridades, empresários, empresas e pessoas. Ela mina a legitimidade democrática, o direito dos cidadãos à igualdade na lei. A luta contra a corrupção não é um fim em si. Seu objeto principal é a garantia real e igual para todos da vigência do estado democrático de direito. Ela buscar acabar com o privilégio e a discricionariedade. Se há tanta corrupção, é porque há algo muito errado no funcionamento da democracia. Não é plenamente democrática a sociedade onde um pobre que rouba vai para a cadeia e um rico que rouba vira ministro, como dizia o então deputado constituinte Lula, em 1988.

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Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. É colaborador do blog G1 Política com análises do cenário político internacional

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